sexta-feira, 22 de outubro de 2010

8º livro - UM POUCO ANTES DA CHUVA


(Ano - 2006)



Alguns trechos:
O MAR E O AMOR
Uma vida é muito pouco
para quem quer ver o mar
Menor ainda
para conchecê-lo de perto
seus ventos
suas líquidas lavouras
as sementes dos deuses
as orações dos peixes
feitas de gesso e silêncio
Uma vida é muito pouco
para quem quer amar
Menor ainda
muito mais
para conhecer o amor
e seus desvios
seus bosques e caprichos
e os pássaros arredios
azuis e amarelos
nas telas do voar


CABLOCOS DA ALMA
Cablocos de minha mata
correi
A trilha da paca é verde
e o caititu já passou
no rastro
da sucuri
É cedo ainda lá fora
e a noite virá depressa
na frouxa flecha do vento
facho e feixe
do tempo
feitiço dentro de mim
Cablocos de minha mata
correi
Meardros de minha sombra
já cobrem as mechas das sarças
que racham o rosto
das pedras
Deixai a paca no coito
O caititu já passou
no rastro
da sacuri


SEM NADA DIZER DA NOITE
Amanhã pardo ainda
sem nada dizer da noite
eu morrerei
Que bom ser assim
de pedra e vidro sem rugas
este edital
Amanhã repito
antes que o sol
desimenize a madrugada
estarei morto
E ainda assim
sonho nenhum deixará o jardim
Já não tenho
o mundo entre os dedos
para brincar de desejos
e temer sua queda
e gemer suas dores
Um dia ele foi meu
e eu pude doá-lo
a cada pessoa
sem perder sua posse
E a doação se fez erva
se fez monte
Agora só poucos
detêm o Mundo
e apertado ao peito
com percinta de ferro
E matam por ele
E não têm domínio
Foi bom saber por isso
que pardo ainda
sem nada a dizer da noite
eu morrerei amanhã



CONSTRUÇÃO
Entre a napa e o espelho
permaneço esférico
Não cavalgo
as curvas
nem a vermelha luz
das estrelas velhas
Penetro a forma
conservo
o teto
Gero meu jeito
Fujo das redes das fronteiras
Salto no primeiro orvalho
E no espaço
de meus sólidos
meus verões
construo
Trajo formigas
Cigarras visto
E
sou


VIOLÃO Para Wilma de Carvalho
Há um violão
no coração do bosque
nas folhas das árvores
nas ervas das pedras
no desenho das cobras
entranhado nos leques
das asas dos pássaros
bebendo
o ar
e o sol
carpidos das cordas
Eu sei
porque no meu peito
também toca
assim
uma harpa
antiga


LUAR E VIDA
Havia uma casa
em cada luar
E uma noite arrastada
muito cansaço
sem rendição
Havia um luar
para cada casa
Uma casa para cada vida
mutirão sem fôlego
monossílabo
de Deus
Havia uma luz
e tantos luares
E uma noite
solitária








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