sexta-feira, 22 de outubro de 2010

6º livro - AS RETICÊNCIAS DOS SONHOS


(Ano - 2003)



Alguns trechos:






O POETA E A CRIAÇÃO
O poeta fala
e pensam
que é fingidor.
A invenção
lhe cai da alma,
como cai a parição
nas leiras
dos vegetais.
O poeta diz
com a voz
da sensação,
descamando a fé
da dúvida,
tal quem põe
um brilho a mais
nas escamas do salmão.
O poeta desamarra
o nó da amarração,
a raiz
que racha a pedra,
a folha
que prende o vento.
E livra todos os gansos
do quixó da criação.


INSIGNIFICÂNCIAS ABSURDAS
E nada significamos:
nem eu, nem tu,
ninguém.
A tibieza,
um morno cárcere
de amianto.
Um mormaço de agonia
que macheia
sem jardim.
O que mais
assim farias,
senão beijar
o pedestal?
Deste mesmo desespero,
a madona padecia,
teu beijo lhe ferindo
no bronze do olhar
um silêncio mal calado.
E nada refletia
o tremor
dos castiçais,
que não fosse a outra pátina.
No chão,
os votos inúteis,
e as vãs promessas
nos baldes da boca
tão mal prometidas.


AS VALAS COMUNS DE KÔSOVO
Agora,
tragam o álbum funerário.
Na última vez,
ele ria
e beijou-te os cabelos.
Tinha um ar
de quem nunca voltaria.
E os beijos ferviam
ao se despedir.
O riso abundante,
farto, perdulário.
O jeans cor do céu,
a branca camisa,
garças rentes ao mar.
Os sapatos pretos,
negros tal aquele sábado.
Tudo lhe entregaste
sem desconfiar
do sol,
que abria
as janelas
ao teu corpo
tocado
no tempo dos ontens.





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